20080327

...Sobe da terra para o Céu e desce novamente à Terra e recolhe a força das coisas superiores e inferiores...[0.03]



Para distinguir aquilo que é bem daquilo que é mal, os teólogos moisaicos, budistas, cristãos e muçulmanos recorreram à inspiração divina. Viram que o homem, fosse selvagem ou civilizado, perverso ou bom e honesto, sabia sempre se agia bem ou se agia mal; mas, não encontrando explicação para este facto geral, viram nele uma inspiração divina. Os filósofos metafísicos falaram-nos por sua vez de consciência, de imperativo místico, o que nada mais era do que uma modificação de palavras.

Porém nem uns nem outros souberam constatar o facto tão simples e tão surpreendente de que os animais que vivem em sociedade também sabem distinguir o bem e o mal, tal como o homem. E mais do que isso, que as suas concepções sobre o bem e o mal são absolutamente do mesmo gênero que as do homem.

Os pensadores do século XVIII tinham-no visto claramente, mas isso foi depois esquecido, cabendo-nos aagora a nós sublinhar a importância deste facto
...

Poder-se-iam citar milhares de factos similares. Poder-se-iam escrever livros inteiros para mostrar quão idênticas são as concepções do bem e do mal no homem e nos animais.

A formiga, o pássaro, a marmota e o Tchouktche selvagem não leram Kant nem os santos padres, nem mesmo leram Moisés.

A ideia de bem e de mal nada tem a ver, portanto, com a religião ou com uma consciência misteriosa; trata-se de uma necessidade natural de espécies animais. E quando os fundadores das religiões, os filósofos e os moralistas nos falam de entidades divinas ou metafísicas, nada mais fazem do que reexaminar aquilo que cada formiga, cada pardal, cada marmota, pratica nas suas pequenas sociedades
...
E, se quiséssemos resumir toda esta filosofia do reino animal núma única frase, veríamos que formigas, pássaros, marmotas e homens encontram-se de acordo num ponto.

"Faz aos outros aquilo que quererias que te fizessem a ti nas mesmas circunstâncias"

Sem isso, nenhuma sociedade poderia existir, nenhuma espécie poderia vencer os obstáculos naturais contra os quais tem de lutar. *



* Piotr Kropotkine in "A Moral Anarquista"






Esta "fecundidade da vontade", esta sede de acção, quando acompanhada apenas por uma sensibilidade pobre e por uma inteligência capaz de criar, não proporcionará certamente mais do que um Napoleão Bonaparte ou do que um Bismarck - loucos que queriam fazer com que o mundo girasse ao contrário.
Por outro lado, uma fecundidade de espírito privada de uma sensibilidade bem desenvolvida dará os seus frutos secos (os eruditos). E por último, a sensibilidade não guiada por uma inteligência suficientemente vasta produzirá essas mulheres dispostas a sacrificar tudo por um bruto qualquer no qual depositam todo o seu amor.
Para ser realmente fecunda, a vida deve sê-lo em inteligência, em sentimento, e em vontade. a um só tempo. Mas, neste sentido, a fecundidade em todas as direcções é a vida: a única coisa que merece este nome. Sem esta vida transbordante, nada mais se é do quem um idoso antes do tempo, um impotente, uma planta que ficasse ressequida sem nunca ter florido.
[...]
Actualmente ouve-se dizer com frequência que se troça do ideal. É compreensível Confundiu-se muitas vezes o ideal com mutilação budista ou cristã; também se utilizou muitas vezes esta palavra para enganar os ingénuos, afirmou-se que a reacção é necessária e salutar. Também nós gostariamos de substituir a palavra "ideal", tão coberta de nódoas por uma nova que estivesse mais de acordo com as ideias recentes.

Mas, seja qual for a palavra, o facto existe: cada ser humano tem o seu ideal. Bismarck tem o seu, por mais fantástico que seja: a governação a ferro e fogo. Cada burguês tem o seu, mesmo que seja a banheira de prata do primeiro-ministro Gambetta, o cozinheiro Trompette e muitos escravos para pagar Trompette e a banheira sem grandes problemas.

Mas, a par destes, encontra-se o ser humano que concebeu um ideal superior. Uma vida de bruto não pode satisfazê-lo. Revoltam-no o servilismo, a mentira, a falta de boa-fé, a intriga, a desigualdade nas relações humanas. De que modo poderá ele tornar-se por sua vez servil, mentiroso, intriguista, dominador?
Ele entrevê quão bela seria a vida se existissem melhores relações entre todos; sente força para conseguir estabelecer tais relações com aqueles que venha a encontrar no seu caminho.

De onde vêm este ideal? Moldar-se-há pela hereditariedade, por um lado, e pelas impressões de vida, por outro? Não o sabemos. Mas ele existe: variável, progressivo, aberto às influências vindas do exterior, sempre vivo. Trata-se de uma sensação - em parte inconsciente - daquilo que nos dará a maior soma de vitalidade, a fruição de ser.

Pois bem, a vida somente é vigorosa, fecunda, rica em sensações, soba condição de responder a essa sensação do ideal. Se vós agirdes contra esta sensação ela já não será una, perderá o seu vigor. Se faltardes com frequência ao vosso ideal, acabareis por paralisar a vossa vontade, as vossas forças de acção. Em breve acabareis por não encontrar este vigor, esta espontaneidade de decisão que havíeis possuído outrora. Sois um ser despedaçado.

Nada de misterioso há nisto se considerardes o homem como um composto de centros nervosos e cerebrais, agindo independentemente*

* Piotr Kropotkine in "A Moral Anarquista"



Eu sei bem que estas vontades, estes nervos que eu tenho, de pensar nestes ideais "se existissem melhores relações entre todos" e coisas que o valham, surgem da guerrilha surda permanente que há gerações se trava misteriosamente e silenciosamente na minha família. Por isso me exilei, dentro e fora de mim. Mas hoje, passados tantos anos e tendo crescido aparentemente para fora do núcleo familiar, a família extendeu-se.





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imagens:
representações de V.I.T.R.I.O.L.U.M.
Sylvia Saint

20080326

MM. Derrete-se na boca e não nas mãos (ou, o gato que gostava de cerejas & outras Ostaras)


























271204
Cheguei da terra do sono.
Onde dormir é um imperativo categórico da razão prática.
[da terra do sono sedutor]
venham a mim animais sagrados. A minha cabeça caída na relva, a ganhar raízes entre as raízes das láminas de relva.
Venham ao meu sono, por favor entrem nesta Arca de Nóe, aos pares, e salvem-se assim do dilúvio, dos tsunamis, das idades do gelo, da extinção.

Entrem de mansinho para debaixo desta avalanche de sono onde a minha cabeça cortada está soterrada,
furando a neve com os vossos focinhos negros quentes e húmidos.
Venham aquecer o meu sono, dar cheiro a bicho selvagem ao meu sono, e lamber-me as feridas por sarar à muitos anos, hà decadas.

Venham emanar inocência e bestialidade puras
para dentro do meu sono. Venham trazer calor, pêlo e respiração pausada ao meu sonho,
as vossas crias pousadas no vosso ventre, a dormir de barriga para cima e patas dobradas para dentro,
a suspirar ocasionalmente.
As vossas presas; ratos, lebres, esquilos,insectos, pássaros, a dormir profundamente entre as patas das vossas crias, entregues serenamente ao destino.

...


Este inverno, como sempre, foi uma catástrofe calculada.

Fui apenas mais uma folha solta.
Dilacerado pelo vento.
À mercê dos elementos.
Enrolado pelo redemoinho da terra.
Acedi ao sol e resolvi despertar mais uma vez.
deixei-me encantar de novo pelo odor de Ostara...

Não foi difícil convencer-me.
Espero um beijo teu esta primavera.
Disfarçado no meio da malga de cerejas.








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20080321

News from England [0.05]

Where has all the rage gone?
In 1968, fury at the Vietnam war sparked protests and uprisings across the world: from Paris and Prague to Mexico. Tariq Ali considers the legacy 40 years on

Tariq Ali
The Guardian,
Saturday March 22 2008



[...] And, yes, there was also the pleasure principle. That the 60s were hedonistic is indisputable, but they were different from the corporatised version of today. At the time they marked a break with the hypocritical puritanism of the 40s and 50s, when censors prohibited married couples being shown on screen sharing a bed and pyjamas were compulsory. Radical upheavals challenge all social restrictions. It was always thus.

In the prefigurative London of the 18th century, sexual experiments required the cover of break-away churches such as the Moravians and surreal Swedenborgians (for whom "love for the holy" was best expressed in the "projection of semen"): both preached the virtues of combining religious and sexual ecstasy. Sexual orgies were a regular feature of Moravian ritual, according to which penetration was akin to entering the wounds in Christ's side. William Blake and his circle were heavily involved in all of this and some of his paintings depicting this world were censored at the time. I hope this does not come as too much of a shock to my old friend Tony Benn and others who sing Jerusalem without realising the hidden meaning of:

Bring me my bow of burning gold!

Bring me my arrows of desire!

Bring me my spear!







The Big Question: How is the date of Easter determined, and why is it so early this year?

By Paul Vallely
Friday, 21 March 2008

Why does the date of Easter vary by more than a month?

Because the ancient Egyptians and Hebrews used different calendars. The Egyptians had one based on the movement of the sun, which was passed on through the Romans and Christian culture to become the modern world's standard. The Jews had one based on the phases of the moon – as Islam does, which is why the month of Ramadan moves round the calendar and takes places at different times of the year each year, with Muslims waiting for sightings of the moon before they know what day it will begin.

Easter is one of the festivals which tries to harmonise the solar and lunar calendars. As a general rule, Easter falls on the first Sunday, following the first full moon after 21 March. But not always.




Why are there so many different definitions of a full moon?

An astronomical full moon, like an astronomical equinox, is not a day but a moment in time – which can be observed happening on different days depending on which side of the international date line you stand. And waiting for an event to happen made it impossible to plan ahead.

So they decided that the Paschal Full Moon (PFM) would not be an astronomical moon but an ecclesiastical full moon. These could be set down ahead of time, which is what happened from 325 AD. Astronomers approximated astronomical full moon dates for the church, calling them Ecclesiastical Full Moon (EFM) dates. Thus Easter was defined as the Sunday after the first EFM after 20 March. And that date was the appointed vernal equinox, regardless of whether it was or not. So we have a notional full moon following a notional equinox.

Why do we still have to use both solar and lunar calendars?

Easter is the time when Christians celebrate the Resurrection of Christ. According to the gospels he was killed three days before the Resurrection, around the time of the Jewish Passover. So Christians wanted to have their feast day around the same time as the Jewish festival which was fixed by the first full moon following the vernal equinox – the spring day when night and day are exactly the same length.

The problem comes because a solar year (the length of time it takes the earth to move round the sun) is 365 days, 5 hours, 49 minutes, and 12 seconds whereas a lunar year is 354.37 days. Calculating one against another is seriously complicated.

There have been various attempts to reconcile this, including the famous saltus lunae (the moon's jump) whereby one of the 30-day months in the lunar cycle gets arbitrarily shortened to 29 days. But the solar and lunar years diverge by 11 days every year. Scores of formulae have been devised to try to reconcile the two as a method of marking time.

http://www.independent.co.uk/news/uk/this-britain/the-big-question-


London 20080318

...we discover the flowing of our personality through time. Or rather, since this way of speaking suggests the presence of an enduring self, we ought to say that we discover a ceaselessly changing process. The term that best conveys the character of the process is "duration" or pure time.
...
Absolute reality as revealed by metaphysical intuition is the ever-rolling stream of time...


...Bergson offers certain additional descriptive comments.
(1) Duration is a heterogenous flux or becoming. (2) It is irreversible, straining always towards the future. (3) It is continually creating newness or novelty, and hence is intrinsically unpredictable. (4) It is the inexhaustible source of freedom. (5) Its living reality can never be communicated by images or concepts, but must be directly intuited.
...

Time will only confess its secrets to him who practices the art of "intellectual auscultation"




Este frio metereológico e psicológico, o clima hostil que compõe este reino tem piada, tem piada e é refrescante, quando não se está preso aqui.








Londres é impossivelmente sedutora, é uma amante a quem não resistes comprar cada pedaço de beleza e bom gosto que o olhar lambe em cada esquina, em cada vitrina.




20080314

A Sublimação do monstro e/ou a Sublime monstruosidade [versão 1.00]







Horror has a face... and you must make a friend of horror. Horror and moral terror are your friends. If they are not then they are enemies to be feared. They are truly enemies.







Etimologicamente, a palavra monstro deriva-se do verbo latino mostrare, que significa mostrar, tornar evidente. Sendo assim, Monstro é aquele que se mostra. Mostra ou torna evidente algo anômalo, que chama a atenção por se diferenciar do que é considerado normal.
O dicionário ainda define monstro como o indivíduo que causa pasmo, pessoa cruel ou horrenda. Em oposição ao belo, pode-se estabelecer a relação em que belo seria algo para ser visto, enquanto que monstro seria aquilo que se mostra.
Como a própria etimologia da palavra confirma, o monstro é aquilo que tem que ser mostrado, mas não pode ser dito ou descrito, porque inclassificável.



Grendles Modor e o Capitão Willard encontram-se no mesmo lago e dizem, agradavelmente surpreendidos: "olá, tu por aqui?".

Não. O capitão Willard vai em busca de Kurtz, um coronel dos boinas verdes perdido no meio da selva que saiu do controle dos generais, dirige uma seita estranha e deve ser eliminado. E cumpre a sua missão. Mata o "monstro", e torna-se ele mesmo num monstro.

A Mãe de Grendel emerge das águas para se confrontar com Beowulf que matou o seu filho monstruoso, mas em vez de o matar ou ser morta por ele, sedú-lo e concebe um novo filho dele, um monstro ainda maior e mais poderoso.

Isto não serve apenas para dizer que o encontro entre um homem e uma monstra é mais interessante do que um encontro entre um homem e um monstro...


The hearth of Darkness - Apocalipse now. O coração das trevas- Revelação agora

Subir o rio até à nascente ou descer à caverna para encontrar e confrontar os monstros imaginários.

Kurtz afinal não é um monstro, a mãe de Grindel também não. São os dois heróis,

tal como o capitão Willard e Beowulf são heróis. São todos heróis, manietados uns contra os outros por meias-verdades e emoções confusas e poderosíssimas.
Tanto Beowulf como Willard vivem atormentados o resto das suas vidas depois da "vitória".

Não é apenas a mentira aos outros, mas a mentira a eles mesmos que os atormenta, mas dessa última eles não sabem, a não ser pelo peso estranho que ganharam. Um peso que os prega ao chão.


Todo o "monstro" é um herói.
O pior medo é o medo de se procurar a sí próprio. A pior submissão é a de aceitar as "Verdades".
Todo o "herói" é um monstro.







I heard an ugly choking noise come from myself, and I saw the vomit spewing out onto the snow before I realized it was mine. The smell of wolf was all over me, and the smell of blood…


I was dreaming of the wolves. I was on the mountain and surrounded and I was swinging the old medieval flail. Then the wolves were dead again, and the dream was better, only I had all those miles to walk in the snow.


A voice said "Wolfkiller" long and low, a whisper that was like a summons and a tribute at the same time…





...the contributors to Monster Theory consider beasts, demons, freaks, and fiends as symbolic expressions of cultural unease that pervade a society and shape its collective behavior. Through a historical sampling of monsters, these essays argue that our fascination for the monstrous testifies to our continued desire to explore difference and prohibition.



I heard the many voices Speaking to me from the depths below...Come and drink of me


As "profundezas em baixo" diz a canção. Pressupõe que podem existir profundezas "em cima", the depths above. As profundezas acima e abaixo. O que está em cima como o que está em baixo. De facto, na realidade não existe absolutamente em cima nem em baixo, apenas o existem relativamente ao nosso plano, ao sítio onde os nosso pés estão agarrados.

Não sei se já experimentaram, ou realizaram, mas por vezes pensas que estás a ir para os "céus" e estás a ir para os "infernos", outras vezes pensas que estás a ir para os "infernos" e descobres o "céu".
Descobres, se ousares. Sustêm a respiração.





Instead, driven by the absurdity of the consequence to which such “split positions” (Overton, 1998) inevitably lead, our common contemporary obligation is broadly taken to be that of working out how selves “can embody both change and permanence simultaneously” (Fraisse,
1963, p. 10).

That is, if neither personal sameness nor personal change can be made to work alone, then we clearly need to arrive at some viable way of understanding selves as both simultaneously fixed and ongoing.






And then I realized... like I was shot... like I was shot with a diamond... a diamond bullet right through my forehead. And I thought: My God... the genius of that. The genius. The will to do that. Perfect, genuine, complete, crystalline, pure. And then I realized they were stronger than we. Because they could stand that these were not monsters. These were men... trained cadres. These men who fought with their hearts, who had families, who had children, who were filled with love... but they had the strength... the strength... to do that. If I had ten divisions of those men our troubles here would be over very quickly. You have to have men who are moral... and at the same time who are able to utilize their primordial instincts to kill without feeling... without passion... without judgment... without judgment.

20080312

Gasoline Men and Bazooka Women







thank you light

you told me how to bend

thank you wolf
you told me how to bite


i'm a gasoline man

i dunno where i go

i'm gonna drive and drive
i wanna get there on time

i'm a gasoline man
that's the way i feel

i'm a gasoline man
gonna set your world on fire

i'm gonna drive and drive
find out where you hide








say a little prayer for the mother

gasoline baby

say a little prayer for the mother
let's go for a ride