20081130

anomia. anonimato


a distorção futura do meu rosto espera de novo pela tua mão para se reconhecer.
aprendi a incendiar-me de tempo devagar,
começando nas mãos e nos pés que moldam o projecto sem nome,
que lhe rasgam rugas
assustados de paixão.

tornaram-se anónimos os vivos soterrados sobre todos os mortos.
os vivos soterrados de liberdade
para esperar eternamente.

pulverizaram-se as vigas de aço de desejo
quando se abriu o silencio do fenómeno,
a seiva mineral do que está para se formar.







No início deste trabalho, falei no meu desejo da inocência e do anonimato, da passividade. A inocência que desejo; a inocência da qual falo é também aquela que me faz falar na borboleta ou no pássaro que me entram em casa para dizer
[...] Não é necessário devirmos inocentes para nos podermos deslumbrar? [...]
A inocência da qual falo consiste na própria soberania da subjectividade que não precisa de se submeter a referentes, a paradigmas, a modelos de ordem alguma. Devir inocente é devir soberano porque é procurar o movimento original.
[...]
Aquele cheiro que me enlouquece, começou por ser um cheiro que se colou ao meu corpo, para depois passar a ser um outro cheiro que me deixou enfeitiçada. O desejo não nos põe sempre na dinâmica de um corpo à procura de outro corpo? O desejo na sua forma mais primária, mais primitiva, não morre?
Sonhei com aquele que ainda não sabia que desejava; foi o meu sonho que me revelou esse meu desejo. Aquele cheiro que me enlouquece, e o feiticeiro com o qual desejo devir Um, e aquele que se impôs no meu sonho: estes meus desejos não se excluem, não são contraditórios.**




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"...The state of anomie is impossible whenever interdependent organs are sufficiently in contact and sufficiently extensive. If they are close to each other, they are readily aware, in every situation, of the need which they have of one-another, and consequently they have an active and permanent feeling of mutual dependence."*




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Industrialization in particular, according to Durkheim, tends to disolve restraints on the passions of humans. Where traditional societies--primarily through religion--successfully taught people to control their desires and goals, modern industrial societies separate people and weaken social bonds as a result of increased complexity and the division of labor. This is especially evident in modern society, where we are further separated and divided by computer technology, the internet, increasing beaurocracy, and specialization in the workplace. Perhaps more than ever before, members of Western society are exposed to the risk of anomie.*
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imagens: folhas de outono ao vento. autores desconhecidos.
* Anthony Giddens. 1972. "Emile Durkheim; Selected Writings"
** Maria João Ceitil. 2003 "Pôr o corpo a pensar"

20081126

the “Stockholm syndrome” [O Pacto de silêncio]







...representando, mudos e inapeláveis, a dura luta que diariamente se enceta contra a grandeza, a nossa grandeza mortal, representando a luta que diariamente com coragem se enceta contra a nossa bondade, porque a bondade real é uma violência; representando a luta diária que encetamos contra a nossa própria liberdade, que é grande demais e que, com minucioso esforço, diminuímos; nós, que somos tão objectivos que terminamos sendo nós mesmos apenas naquilo que tem uso: com aplicação, fazemos de nós o homem que um outro homem possa reconhecer e usar; e por discrição, ignoramos a ferocidade do nosso amor, e por delicadeza, passamos ao largo do santo e do criminoso; e quando alguém fala em bondade e sofrimento, baixamos os nossos olhos ignorantes, sem dizer uma palavra em nosso favor; aplicamo-nos em dar de nós o que não espante, e quando se fala em heroísmo não entendemos
[...]

o que ele não entendera é que havia um pacto de silêncio.*











Identification with the aggressor is our response when when we have lost our sense that the world will protect us,
What we do is make ourselves disappear.
This response goes beyond dissociation from present experience: like
chameleons, we blend into the world around us, into the very thing
that threatens us, in order to protect ourselves. We stop being ourselves
and transform ourselves into someone else’s image of us.











habitual identification with the aggressor also frequently occurs in people who have not suffered severe trauma, which raises the possibility that certain events not generally considered to constitute trauma are often experienced as traumatic. Following Ferenczi, I suggest that emotional abandonment or isolation, and being subject to a greater power, are such events. In addition, identification with the aggressor is a tactic typical of people in a weak position; as such, it plays an important role in social interaction in general.









children who are terrified by adults who are out of control will “subordinate themselves like automata to the will of the aggressor to divine each one of his desires and to gratify these; completely oblivious of themselves they identify themselves with the aggressor.












First, we mentally subordinate ourselves to the attacker. Second, this subordination lets us divine the aggressor’s desires—getinto the attacker’s mind to know just what he is thinking and feeling, so we can anticipate exactly what he is about to do and know how to maximize our own survival. And, third, we do the thing that we feel will save us: usually we make ourselves vanish through submission and a precisely attuned compliance [...].

All this happens
in a flash.










Ferenczi (1932) observed that a traumatized child may “become so sensitive to the emotional impulses of the person it fears that it feels the passion of the aggressor as its own. Thus, fear
. . . can turn into . . . adoration”







A similar phenomenon, in which people who are powerless in the face of threat comply not only in their behavior but in their emotions, is the “Stockholm syndrome,” in which prisoners develop feelings of sympathy, protectiveness, attraction, even love toward their captors. Feeling the part, I think, allows us to play the required role flawlessly. Yet there is always some piece of one’s own perception that remains and resists giving itself up to identification, however lost it may appear to be **








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Fotos: Misha Gordin
Textos:
* C. Lispector. " A Maçã no escuro".
**Jay Frankel. "Exploring Ferenczi’s Concept of Identification with the Aggressor. Its Role inTrauma, Everyday Life, and the Therapeutic Relationship"


20081114

Brincar com o Fogo, Lisboa. Campo Pequeno, 14 de Novembro; Metropolis Club, 15 Novembro (...E relembrar Fallujah)



The MK77 familiy is an evolution of the incendiary bombs M-47 and M-74, used during the conflict in Korea and the war in Vietnam. Napalm is an incendiary mixture of benzene, gasoline and polystyrene. While the MK-77 is the only incendiary munition currently in active inventory, a variety of other incendiary devices were produced, including the M-47 Napalm bomb, the M-74 incendiary bomb, and white phosphorous and munitions manufacturing. Napalm is a mixture of benzene (21%), gasoline (33%), and polystyrene (46%). Benzene is a normal component of gasoline (about 2%). The gasoline used in napalm is the same leaded or unleaded gas that is used in automobiles. ****
















"Fallujah, a carnificina escondida", emitido ao fim da tarde de terça-feira, é um documentário sobre a grande ofensiva norte-americana contra a cidade de Fallujah, em Novembro de 2004, no qual se revela ter sido usado fósforo branco e o agente MK77, uma variante do napalm.

o programa realizado em 2004 mostra os efeitos devastadores daquelas duas substâncias sobre os seres humanos, que, no caso do fósforo branco, "queima os corpos, dissolve-os até aos ossos e deixa as roupas intactas", segundo o relato de Jeff Englehart, um ex-marine e veterano da guerra do Iraque que participou naquela operação.

De acordo com os relatos, o fósforo branco espalha-se como uma nuvem e, num raio de 150 metros, "ninguém escapa" com vida, assegurou aquela fonte, agora autor de um blogue contra a guerra. Englehart contesta também a posição do Pentágono, quando alega que o produto é uma substância incendiária (e considerada como não química) e apenas foi usado para iluminar o campo de batalha. "Pode usar-se num campo de batalha mas não sobre uma cidade" cheia de civis, enfatizou o antigo militar.

A carnificina, segundo o documentário da RAI, não chegara até agora ao conhecimento da opinião pública mundial devido à proibição dos jornalistas embedded (colocados nas unidades militares americanas) de filmarem o bombardeamento à cidade de Fallujah por razões de segredo militar.***






Alguém disse "existem dois tipos de fogo, um externo outro interno", ou um fogo visível, outro oculto.








O fogo externo e visível é aquele que os nossos antepassados aprenderam a dominar com paus e pedras. E com o domínio desse fogo dominaram a matéria; as madeiras, as pedras, os metais. Os povos que dominaram mais eficazmente esse fogo, ou mais depressa, dominaram os outros povos. Os que fundiram os metais para fazer charruas e armas, os que fundiram a areia para fazer vidro, os que aprenderam a combinar enxofre, salitre e carbono para fazer trovões de braço.

Dentro de cada povo aqueles poucos degenerados que se juntavam para roubar, mentir e violar os outros mais pacíficos e serenos, ou vulneráveis, aprenderam a tomar conta dos meios de produção e controle do fogo, usando os produtos materiais do uso do fogo nas madeiras, pedras e metais trabalhados por outros mais serenos desse mesmo povo. Periodicamente alguns dos dominados conseguiam subverter a ordem estabelecida, mas ou adaptavam os métodos de roubar, mentir, e violar para manter o poder, ou então sucumbiam de novo aos métodos dos degenerados.

















E assim os degenerados tomaram conta do fogo, e dos processos da história, até que um dia todo o planeta em que viajavam pelo espaço ficou permanentemente à beira de uma guerra em forma de tempestade de fogo aniquiladora.
Com o passar da história os dominados serenos e pacíficos desenvolveram uma forma hereditária de submissão para com os dominadores. Perderam a capacidade de se insurgir colectivamente, tornaram-se masoquistas sociais, e doutrinam cuidadosamente os seus filhos nesse masoquismo. Os dominadores tornaram-se sádicos sociais, e geraram estruturas tenebrosas de influência moral e máquinas horrendas de guerra para abusar em massa dos dominados.









Alguns grupos de dominados acordam e adormecem cada dia em estado sonâmbulo. Os seus sonhos-acordados são fabricados artificialmente pelas "dream machines" controladas pelos dominadores. As grilhetas mais pesadas e seguras são invisíveis, internas, e manifestam-se na mente dos dominados como uma culpa difusa pela própria existência. Ignoram que esse sentimento nebuloso é a energia interna de insurreição e liberdade virada contra o próprio eu.

Os dominadores, esses tornam-se cada vez mais ávidos, maníacos e desesperados na sua avidez, não conseguem dormir com medo dos próprios sonhos. Com medo do arrependimento e vergonha que temem vir travestida de "ira divina". Perderam a capacidade de sentir culpa e redenção. Ao desejo e procura de liberdade dos dominados chamam feitiçaria e diabo, e todas outras coisas vermelhas e temidas, ameaçam-nos primeiro com abandono, exílio, depois tortura e inferno eterno.
















Alguém disse "dentro do fogo oculto existem três tipos de fogo", o intelectual que permite ver na escuridão da floresta de interrogações (ou mercúrio), o emocional que permite animar o corpo como uma máquina de nervos e carne (ou marte), e o espiritual, que permite iluminar as estruturas catedráticas ou cavernosas do intelecto e das emoções,
e derreter a teia emaranhada em que se combinam as constelações da memória e da alucinação, e aquecer a amalgama de novo, como um Ovo.

Outros ainda, descobriram que o fogo físico mais primevo e o fogo espiritual mais sublime se encontravam na mesma origem, no mesmo "sítio" dentro de um ovo de uma serpente que anima e queima cada corpo humano como se fosse uma tocha. E que era a coisa mais divertida do mundo brincar com esse fogo oculto.

Aqueles que o/a viram e brincaram com ele/ela desdenharam o domínio dos povos, e desdenharam dentro dos povos o domínio dos que se juntam para roubar e mentir e violar os do mesmo povo. Aqueles que o/a viram alcançaram uma nova ambição, a de dominarem os três fogos que se iluminam e ensombram mutuamente dentro de si e dentro dos outros.

Permanentemente perseguídos pelos dominadores do fogo externo bem como pelos dominados , infiltraram-se no poder ou na ausência dele, vagarosamente, secretos, perdendo-se uns dos outros para melhor se mascararem.

As suas práticas, brincadeiras, experiências e invocações são consideradas ultrajantes tanto para os dominadores como para os dominados, porque põe em questão todo os aparelhos milenares do poder do fogo externo, visível. E porque sopram um susto de vida e morte quando se abrem as portas do mundo invisível que tanto dominadores como dominados desconhecem, aquilo a que alguém chamou "o labirinto do Ovo da serpente".

Muitos dos que se dedicam à dominação dos fogos interiores estão ainda perdidos no seu próprio labirinto do Ovo de serpente. E alguns deles gostariam de esquecer que alguma vez nele entraram. Sentem-se queimados, aprendizes de feiticeiros, mas já não podem voltar para o mundo viciado do dominador-dominado.

Esses devem reaprender a "brincar com o fogo".





































Vou falar-vos dum curioso personagem: Jeremias, o fora-da-lei, Descendente por linha travessa do famigerado Zé do Telhado. Jeremias dedicou-se desde tenra idade ao fabrico da bomba caseira Cuja eloquência sempre o deixou maravilhado. Para Jeremias nada se assemelha à magia da dinamite A não ser talvez o rugir apaixonado das mais profundas entranhas da terra. E só quando as fachadas dos edifícios públicos explodirem numa gargalhada Será realmente pública a lei que as leis encerram.


Há quem veja em Jeremias apenas mais uma vítima da sociedade Muito embora ele tenha a esse respeito uma opinião bem particular. É que enquanto um criminoso tem uma certa tendência natural para ser vitimado Jeremias nunca encontrou razões para se culpar

Porque nunca foi a ambição, nem a vingança, que o levou a desprezar a lei E jamais lhe passou pela cabeça tentar alterar a Constituição. Como um poeta ele desarranja o pesadelo para lá dos limites legais, Foragido por amor ao que é belo e por vocação.
Jeremias gosta do guarda roupa negro e dos mitos do fora-da-lei, Gosta do calor da aguardente e de seguir remando contra a maré. Gosta da forma como os homens respeitáveis se engasgam quando falam dele E da forma como as mulheres murmuram: fora-da-lei.

Gosta de tesouros e mapas sobretudo daqueles que o tempo mais maltratou. Gosta de brincar com o destino e nem o próprio inferno o apavora. Não estando disposto a esperar que a humanidade venha alguma vez a ser melhor, Jeremias escolheu o seu lugar do lado de fora. **




Gosto de bricar com o fogo, de jogar com as palavras, adoro coisas perigosas, incómodas e jocosas. Gosto de coisas obscenas, de soltar as fantasias, brincadeiras maliciosas, perversamente gostosas.
Nunca peguei numa arma, eu nunca matei um homem, nunca violei mulheres, nunca massacrei crianças. Neste mundo em chamas, neste planeta a arder, neste inferno na terra temos tudo a perder.
Gosto de brincar com o fogo, deitar achas p'rá fogueira, gozar os truques da mente e confundir toda a gente. Interessa-me a puberdade, excitam-me as pernas das freiras, gosto de provocar danos nas teias dos puritanos. Mas não se brinca com a fome nem com a miséria alheia, a vida não vale nada quando se trafica o sangue. *

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*-"Gosto de Brincar com o Fogo"; J. Palma.

** "Jeremias o fora-da-lei"; idem

*** "Washington usou armas químicas contra Fallujah" Manuela Paixão, D.N. 10/11/2005

**** in http://www.fas.org/man/dod-101/sys/dumb/mk77.htm





















































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algumas referências adicionais:

Aguiar, "O trono do Altíssimo".

Beverly Randolph, "Magia Sexualis".

Bergson, "Matéria e Memória".

Bion, "Experiencias com grupos".

Bion, "Uma memória do Futuro".

Calvino, "Seis propostas para o novo milénio"

Camus, "A Queda".

Camus, "O mito de Sísifo".

Darwin, "A expressão das emoções nos animais e no homem".

Deleuze, "O Mistério de Ariadne".

Deleuze, "Sacher Masoch".

Deleuze e Guatari, "O anti-édipo".

Eliade, "O Sagrado e o Profano".

Eliade, "Ferreiros e Alquimistas".

Engels, "As origens da familia, da propriedade e do estado"

Erasmus, "O Elogio da Loucura".

Foucault, "A história da sexualidade".

Foucault, "Vigiar e Punir".

Fulcanelli, "As mansões filosofais".

Freud, "Moralidade sexual civilizada e doenças nervosas modernas".

Freud, "Estudos sobre a Histeria".

Freud, "Moisés e o Monoteísmo".

Freud, "Totem e Tabu".

Freud, "O mal-estar na civilização".

Gilbert Durand, "Estruturas Anropológicas do Imaginário".

Herberto Helder, "Poesia Toda".

Herculano, "História da Inquisição em Portugal".

Kropotkin, "O Estado e o seu papel histórico".

Kropotkin, "Moralidade anarquista".

Kropotkin "Ajuda mútua".

Maquiavel, "O príncipe".

Marx e Engels, "O Manifesto Comunista".

Nietschze, "O Anti-Cristo"

Nietzsche, "Assim falou Zaratrusta".

Novalis, "Os Hinos à noite".

Pessoa, "O livro do desassossego".

Phillip K. Dick, "O Mistério de Valis"

Phillip K. Dick, "Vazio Infinito".

Phillip Roth, "O Seio".

Sade, "Os infortúnios da Virtude".

Sartre, "A Náusea"

Tryon-Montalembert, "A Cabala e a Tradição Judaica".

Teixeira de Pascoaes, "Aforismos".

Ursula Le guin "Trilogia de Terramar"

W. Reich, "Psicologia de Massas do Fascismo"

W. Reich, "A Função do Orgasmo".