Isto sabemos. A terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. O que ocorrer com a terra, recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a trama da vida; ele é meramente um de seus fios. [...]
Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho*
De entre as resoluções de ano novo, uma das quais é recomeçar a tocar música,
a mais importante é a de "ver, ouvir e falar".
Ter menos visões e ver mais, tentar reduzir o volume das vozes internas e aumentar o volume do ouvido, e trazer mais palavras de dentro para fora.
Espero sair mais vezes dos mundos inferiores infernais onde tenho estado em explorações iniciáticas.
É no romantismo literário que se torna mais aparente esse esforço sincrético para reintegrar no Bem o Mal e as trevas sob a forma mítica de Satã, o anjo rebelde. O romantismo herda toda a dramatização da literatura bíblica, da iconografia medieval e do Paraíso Perdido de Milton. Satã faz a sua entrada triunfal com o Mefistófoles de Goethe, e com o principal herói Byroniano do Mistério de Caim [...] todas essas obras e esses heróis tenebrosos constituem a epopeia romântica da síntese e da reabilitação mítica do mal. Mas foi Hugo quem, em La Fin de Satã, mais magistralmente exprimiu o sentido do drama sintético, da queda cuja redenção final virá de uma pena perdida pelo anjo das trevas, donde nascerá o "Anjo da Liberdade". Lilith-Ísis, o aspecto tenebroso do mundo derrete-se então "como um pedaço de gelo ao lume"
[...] A integração do negativo não tem somente uma dimensão metafísica, mas pretende também chegar à explicação histórica. Assiste-se, através dos movimentos políticos do século, a uma reabilitação e a uma explicação do escândalo revolucionário [...] Joseph de Maistre, adversário ferrenho da Revolução e do Imperador, acabará por magnificar o papel sagrado desse "imenso zero" [...] O romantismo, obcecado pelo problema do mal, nunca aceitou o dualismo maniqueísta. O seu optimismo profundo é um convite a que seja decretado que o mal há-de acabar.: "Todos, Vigny e Soumet, Enfantin e Proudhon, Esquiros e Eliphas Lévi, e depois deles o poeta de La Fin de Satã, repetiram a mesma antífona:
Com efeito, neste verso célebre condensa-se toda a vontade sincrética de unificação dos contrários através do drama mítico da morte e do renascimento. Mas o que sobretudo não se deve perder de vista nesta conciliação histórica ou lendária do compromisso é o papel benéfico da felix culpa, e com isso, do tentador de Eva, Satã. A poesia, a história, do mesmo modo que a mitologia ou a religião, não escapam ao grande esquema cíclico da conciliação dos contrários. A repetição temporal, o exorcismo do tempo, tornou-se possível pela mediação dos contrários, e é o mesmo esquema mítico que subentende o optimismo romântico e o ritual lunar das divindades andróginas.
O Simbolismo lunar aparece assim nas suas múltiplas epifanias, como estreitamente ligado à obsessão do tempo e da morte.**
[...] A integração do negativo não tem somente uma dimensão metafísica, mas pretende também chegar à explicação histórica. Assiste-se, através dos movimentos políticos do século, a uma reabilitação e a uma explicação do escândalo revolucionário [...] Joseph de Maistre, adversário ferrenho da Revolução e do Imperador, acabará por magnificar o papel sagrado desse "imenso zero" [...] O romantismo, obcecado pelo problema do mal, nunca aceitou o dualismo maniqueísta. O seu optimismo profundo é um convite a que seja decretado que o mal há-de acabar.: "Todos, Vigny e Soumet, Enfantin e Proudhon, Esquiros e Eliphas Lévi, e depois deles o poeta de La Fin de Satã, repetiram a mesma antífona:
Satã morreu, renasce ó Lucifer celeste!
Com efeito, neste verso célebre condensa-se toda a vontade sincrética de unificação dos contrários através do drama mítico da morte e do renascimento. Mas o que sobretudo não se deve perder de vista nesta conciliação histórica ou lendária do compromisso é o papel benéfico da felix culpa, e com isso, do tentador de Eva, Satã. A poesia, a história, do mesmo modo que a mitologia ou a religião, não escapam ao grande esquema cíclico da conciliação dos contrários. A repetição temporal, o exorcismo do tempo, tornou-se possível pela mediação dos contrários, e é o mesmo esquema mítico que subentende o optimismo romântico e o ritual lunar das divindades andróginas.
O Simbolismo lunar aparece assim nas suas múltiplas epifanias, como estreitamente ligado à obsessão do tempo e da morte.**
E para começar, para sair um pouco das trevas invernais e da luz lunar da escuridão, vou passar umas semanas ao hemisfério sul, onde agora é o pino do Verão. Deixo-vos com dois poemas. Um do Fausto, um dos nossos bardos maiores, e outro do Drummond, um dos "nossos" poetas maiores:
Lembra-me um sonho lindo quase acabado, lembra-me um céu aberto outro fechado. Estala-me a veia em sangue estrangulada, estoira num peito um grito, à desfilada.
Canta rouxinol canta, não me dês penas, cresce girassol cresce entre açucenas. Afoga-me o corpo todo se te pertenço, rasga-me o vento ardendo em fumos de incenso. Lembra-me um sonho lindo quase acabado, lembra-me um céu aberto outro fechado. Estala-me a veia em sangue estrangulada, estoira num peito um grito, à desfilada.
Ai como eu te quero, de madrugada, alma da terra, linda, assim deitada. Ai como eu te amo, ai tão sossegada, ai beijo-te o corpo, ai seara, tão desejada. ***
Canta rouxinol canta, não me dês penas, cresce girassol cresce entre açucenas. Afoga-me o corpo todo se te pertenço, rasga-me o vento ardendo em fumos de incenso. Lembra-me um sonho lindo quase acabado, lembra-me um céu aberto outro fechado. Estala-me a veia em sangue estrangulada, estoira num peito um grito, à desfilada.
Ai como eu te quero, de madrugada, alma da terra, linda, assim deitada. Ai como eu te amo, ai tão sossegada, ai beijo-te o corpo, ai seara, tão desejada. ***
O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o
[ calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória,
[ doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o
[ clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do
[ acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos
[ séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras
[ espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.****
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o
[ calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória,
[ doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o
[ clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.
O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus...
Recebe com simplicidade este presente do
[ acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos
[ séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras
[ espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de Kant e da poesia,
todos eles... e nenhum resolve.
Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.****
_____________________________________________________
*in Manifesto do chefe Seattle.
** Gilbert Durand "As estruturas antropológicas do imaginário".
*** Fausto "Lembra-me um sonho lindo".
**** Carlos Drummond de Andrade. "O último dia do ano"
Estátua: C. Drummond de Andrade em Copacabana
10 comments:
venho apertar os fios que me ligam aqui,
epifanias
ventos
músicas
luas
press-sentimentos
( coisas sem nome quase
todas
~
tenho aí uma versão desta música de fausto
que me come como memória
ter?ra,
entardecer
como
morrer,
Bom Ano, pá!
Abraço!
Boa Passagem Sr. números...
Kisss...
pede mas é aí à Iemanjá que nos mande tudo a que temos direito:
pássaros
cerejas rubras
e outras coisas real-ó-simbólicas com muito vinho tinto
...
que os santos daqui já não nos valem de nada.
um XI coração do tamanho que tu sabes,
ana
Um ano melhor que o anterior, pior que o posterior e benzido com o suco dos deuses!:)
Kisses.
Bom ano!
Beijos**
bom 2009
Feliz 2000 e 9,N.
Bjs.
E não é que vai mesmo ser um Ano Fantastico???
Beijo grande
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