20081220

presente




este natal, o presente é a consciência,

a auto-consciência de todos eles e elas de passagem dentro de mim. em busca de uma conversa, de um aviso, de um afago, de um perdão, de um aceno, de uma cápsula protectora.
a prenda é a visão, menos turva, das montanhas que subimos e descemos. Haviam abrigos, mas não nos demorámos muito, caminhávamos para um porto que nos levaria de novo à casa de origem, que estaria limpa e calma.
como se tivesse tudo começado de novo, mas sem o desespero contido que se acumulava no pó das estantes.

a visão menos turva, para ver os retratos dos vossos olhos assustados e preocupados, gritando nas linhas de fuga das pálpebras, com piedade: "para onde corres desgraçado".
dos vossos olhos intrigados com o relato das terras que estavam para se encontrar.
juntar os pedaços de cada rosto na areia e desenhar o trajecto nas marés.
as enseadas onde a violência do mistério quase fundou a ternura, quase.

A tristeza e a saudade tornaram-se mais do que bagagem, uma caravana, procissão de promessas em construção, mares e mares, dunas. Nunca houve tempo para vos ouvir até aos ossos, na soleira do deserto, na eminência do tufão de lixo, do Carnaval de equívocos.
Partir de novo para a parte branca por detrás dos olhos, refazer a visão, desmantelar as máquinas da injustiça natural. era preciso, mais do que viver.

agarrei a tua mão quando caí esgotado, e depois a tua, e depois a tua. tentei cortá-las e levá-las comigo, devolver-vos-ia as linhas do destino rectificadas. muito mais tarde, devolver-me-ia a vós muito mais tarde, tarde como a manhã.

como seguir um choro sem fim?
antes o borbulhar dos ribeiros nos vales, do que tentar separar o universo em dois e refazer as proporções de deus e caos.

como seguir as labaredas de um desespero a cada dia renovado?
como forjar espadas para cortar com misericórdia as cabeças das hierarquias de arcanjos, e penetrar de uma vez a indigestão do silêncio sem ferir as crias?

enganei tantas vezes, quando falava de amor, falava do Amor, quando falava de filhos falava das Gerações, quando falava de ternura falava da Ternura, quando me deitava contigo ao lado deitava-me apenas ao teu lado. quando te ouvia exercitava o Ouvido, quando fazíamos os nossos planos acrescentava uma adenda ao Plano, quando viajávamos juntos planeava a Viagem. enganei tanto, quando me dava todo dava um caminho para o que havia de ser, quando me entregava entregava uma chave para mais um enigma, quando subia as escadas para a tua casa subia as escadas para uma casa. Quando cozinhava para nós cozinhava para te alimentar, quando dizias que me amavas ouvia que Amavas, recebia de ti o presente que era saber que tinhas Amor,
e não o desembrulhava. Abria um canto, e retirava um pouco para espalhar pomada numa ferida mais urgente.
Tinhas Amor, era do mundo, era para o mundo, para este mundo, e o meu mundo ainda não estava feito.

Enganei tanto, olhei para os amigos em construção como soldados do amor em operações especiais.
Quando estava nos vossos braços, estava nos braços da terra.

Só fui verdadeiro quando chorava, quando vos punha o desespero no ventre.
e quando me entregava à tua fenda para nos dissolvermos no tempo.

Deixei-me fazer prisioneiro perpétuo tantas vezes para por à prova os planos de fuga.
Enganei os sacerdotes, comunguei do livro mas nunca assinei o pacto de distinção entre a morte e a vida.

o meu presente foi o movimento, o encontro com o desencontro, a frota em construção.
as linhas de fuga com que se faz um chão no céu.



















10 comments:

Valquíria said...

O amor é o holocausto do ego. E aos que se afogam em Porto em noites imperfeitas: VIVA!

"tarde como a manhã." - Puro.

P. S.: Elefantes obscenos?

[A] said...

....speachless









[mas conheço os elefantes e o sacrifício]

NARNIA said...

Zerinhos gosto do teu presente,
essa consciência que por vezes está ausente...

Anonymous said...

não sei se ISTO é o espirito do Natal que, ao que parece, é quando um gajo quer, mas a verdade é que no Natal acontecem coisas assim

Anonymous said...

http://www.youtube.com/watch?v=SHikpdf8ktM

1.01 said...

Valquiria:
tenho estado a pensar nessa frase que disseste desde que a li.

O Ego é o campo de concentraçao do amor...
Os elefantes enterram os mortos e por isso sao obscenos...?

[A]: * !

Narnia: sim, é verdade...

VdeB: que acontecem acontecem, no solstício de inverno.

MissX: ça c'est super baby...*

Valquíria said...

Não porque enterram os mortos.

1.01 said...

porque tem uma tromba grande?

Valquíria said...

Não. Por causa das gajas boas:)

1.01 said...

bem me parecia...
:)