Porém nem uns nem outros souberam constatar o facto tão simples e tão surpreendente de que os animais que vivem em sociedade também sabem distinguir o bem e o mal, tal como o homem. E mais do que isso, que as suas concepções sobre o bem e o mal são absolutamente do mesmo gênero que as do homem.
Os pensadores do século XVIII tinham-no visto claramente, mas isso foi depois esquecido, cabendo-nos aagora a nós sublinhar a importância deste facto
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Poder-se-iam citar milhares de factos similares. Poder-se-iam escrever livros inteiros para mostrar quão idênticas são as concepções do bem e do mal no homem e nos animais.
A formiga, o pássaro, a marmota e o Tchouktche selvagem não leram Kant nem os santos padres, nem mesmo leram Moisés.
A ideia de bem e de mal nada tem a ver, portanto, com a religião ou com uma consciência misteriosa; trata-se de uma necessidade natural de espécies animais. E quando os fundadores das religiões, os filósofos e os moralistas nos falam de entidades divinas ou metafísicas, nada mais fazem do que reexaminar aquilo que cada formiga, cada pardal, cada marmota, pratica nas suas pequenas sociedades
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E, se quiséssemos resumir toda esta filosofia do reino animal núma única frase, veríamos que formigas, pássaros, marmotas e homens encontram-se de acordo num ponto.
"Faz aos outros aquilo que quererias que te fizessem a ti nas mesmas circunstâncias"
Sem isso, nenhuma sociedade poderia existir, nenhuma espécie poderia vencer os obstáculos naturais contra os quais tem de lutar. *
* Piotr Kropotkine in "A Moral Anarquista"
Por outro lado, uma fecundidade de espírito privada de uma sensibilidade bem desenvolvida dará os seus frutos secos (os eruditos). E por último, a sensibilidade não guiada por uma inteligência suficientemente vasta produzirá essas mulheres dispostas a sacrificar tudo por um bruto qualquer no qual depositam todo o seu amor.
Para ser realmente fecunda, a vida deve sê-lo em inteligência, em sentimento, e em vontade. a um só tempo. Mas, neste sentido, a fecundidade em todas as direcções é a vida: a única coisa que merece este nome. Sem esta vida transbordante, nada mais se é do quem um idoso antes do tempo, um impotente, uma planta que ficasse ressequida sem nunca ter florido.
[...]
Actualmente ouve-se dizer com frequência que se troça do ideal. É compreensível Confundiu-se muitas vezes o ideal com mutilação budista ou cristã; também se utilizou muitas vezes esta palavra para enganar os ingénuos, afirmou-se que a reacção é necessária e salutar. Também nós gostariamos de substituir a palavra "ideal", tão coberta de nódoas por uma nova que estivesse mais de acordo com as ideias recentes.
Mas, seja qual for a palavra, o facto existe: cada ser humano tem o seu ideal. Bismarck tem o seu, por mais fantástico que seja: a governação a ferro e fogo. Cada burguês tem o seu, mesmo que seja a banheira de prata do primeiro-ministro Gambetta, o cozinheiro Trompette e muitos escravos para pagar Trompette e a banheira sem grandes problemas.
Mas, a par destes, encontra-se o ser humano que concebeu um ideal superior. Uma vida de bruto não pode satisfazê-lo. Revoltam-no o servilismo, a mentira, a falta de boa-fé, a intriga, a desigualdade nas relações humanas. De que modo poderá ele tornar-se por sua vez servil, mentiroso, intriguista, dominador?
Ele entrevê quão bela seria a vida se existissem melhores relações entre todos; sente força para conseguir estabelecer tais relações com aqueles que venha a encontrar no seu caminho.
De onde vêm este ideal? Moldar-se-há pela hereditariedade, por um lado, e pelas impressões de vida, por outro? Não o sabemos. Mas ele existe: variável, progressivo, aberto às influências vindas do exterior, sempre vivo. Trata-se de uma sensação - em parte inconsciente - daquilo que nos dará a maior soma de vitalidade, a fruição de ser.
Pois bem, a vida somente é vigorosa, fecunda, rica em sensações, soba condição de responder a essa sensação do ideal. Se vós agirdes contra esta sensação ela já não será una, perderá o seu vigor. Se faltardes com frequência ao vosso ideal, acabareis por paralisar a vossa vontade, as vossas forças de acção. Em breve acabareis por não encontrar este vigor, esta espontaneidade de decisão que havíeis possuído outrora. Sois um ser despedaçado.
Nada de misterioso há nisto se considerardes o homem como um composto de centros nervosos e cerebrais, agindo independentemente*
* Piotr Kropotkine in "A Moral Anarquista"
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imagens:
representações de V.I.T.R.I.O.L.U.M.
Sylvia Saint