20080415

invenção nº 04.04.2006 [versão 0.04]








C
ampos verdes floridos

Água simples correndo
A brisa das montanhas

Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Foi condenado à morte é evidente
Mas caminhou cantando para o muro da execução



















"Em todas as esquinas da cidade, nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros, mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes, na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém, no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga, um cartaz denuncia o nosso amor."

Em letras enormes do tamanho do medo da solidão da angústia um cartaz denuncia que um homem e uma mulher se encontraram num bar de hotel numa tarde de chuva entre zunidos de conversa e inventaram o amor com caracter de urgência deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana. Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura e souberam entender-se sem palavras inúteis. Apenas o silêncio A descoberta A estranheza de um sorriso natural e inesperado. Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna. Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta de um amor subitamente imperativo.

Um homem e uma mulher, um cartaz denuncia, colado em todas as esquinas da cidade. A rádio já falou A TV anuncia, iminente a captura.

A policia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e nas avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos
Chamem as tropas aquarteladas na província
Convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
Todos decrete-se a lei marcial com todas as consequências
O perigo justifica-o Um homem e uma mulher
conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade

É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
antes que seja tarde
e a memória da infância nos jardins escondidos
acorde a tolerância no coração das pessoas

Fechem as escolas Sobretudo
protejam as crianças da contaminação
uma agência comunica que algures ao sul do rio
um menino pediu uma rosa vermelha
e chorou nervosamente porque lha recusaram
Segundo o director da sua escola é um pequeno triste inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
Ainda bem que se revelou a tempo Vai ser internado
e submetido a um tratamento especial de recuperação
Mas é possível que haja outros É absolutamente vital
que o diagnóstico se faça no período primário da doença
E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
de que fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade

Está em jogo o destino da civilização que construímos
o destino das máquinas das bombas de hidrogénio das normas de discriminação racial
o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
a verdade incontroversa das declarações políticas

...

É possível que cantem
mas defendam-se de entender a sua voz Alguém que os escutou
deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
lhe lembravam a infância Campos verdes floridos
Água simples correndo A brisa das montanhas
Foi condenado à morte é evidente É preciso evitar um mal maior
Mas caminhou cantando para o muro da execução
foi necessário amordaçá-lo e mesmo desprendia-se dele
um misterioso halo de uma felicidade incorrupta

...

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua









um misterioso halo de uma felicidade incorrupta











Texto: Daniel Filipe
Imagens recortes e colagens: 0.03

5 comments:

[A] said...

Tu é que inventas....


:)
bj.

[A] said...

mas gostei muito muito muito
da reportagem de um amor..

pouso a minha mão no teu rosto

e



aperto-te a bochecha:
http://www.youtube.com/watch?v=DgXUctWDF34

Anonymous said...

e tu aí.



algures perdido.


nas colagens.

dessa cidade.


tão desprendida.

como.


tu.



e in.vento.




Bacio per te.

~pi said...

This Noble Truth

has been

penetrated

by

fully

understanding

suffering

suffering

suffering

suffer i

suffer

suf

ffffffffffffffffffffffffff

Anonymous said...

gosto disto tudo
muito