A dada altura de uma viagem de carro, sozinho, com a pressa de chegar a casa, sublimada pela vastidão da distância,
percebi que correra toda a vida em busca de uma casa,
ou melhor um sitio ao qual pudesse chamar a minha casa, o meu sítio, e que apesar de estar a ir para minha casa, ainda não o tinha encontrado.
Quando tive a sensata intuição de que nunca encontraria o que procurava, tive o sentimento de que não passara toda a vida a correr para, mas sim a fugir de.
Percebi então que por detrás do espelho da consciência havia um outro desejo escondido, e que era um duplo do primeiro desejo de encontrar a minha casa: o desejo de fugir da minha assustadora e opressiva casa de infância.
(E percebi que este desejo de fuga daquela que é a matriz de todos os nossos sítios – a Casa de infância– estava escondido pelo desejo de encontrar um outro meu sítio) Quanto mais procurava a minha casa mais estava a fugir da minha casa, e vice versa.
Percebi que nunca a encontraria porque estava precisamente a fugir dela, e que nunca conseguiria fugir porque estava a correr para ela.
Percebi que nunca encontraria uma nova casa porque as paredes da minha casa de infância faziam parte meu corpo. Transportava-a para todo o lado.


Percebi depois que a minha casa assustadora e opressiva era, e sempre fora, nada mais do que o meu opressivo e assustador caixão.
Percebi que estava de facto morto e que era uma alma penada.

E que, julgando percorrer o mundo em busca do meu sitio para habitar, estava na verdade a percorrer o mundo em busca do meu corpo para encarnar.
Adenda de 27-01-07
Depois de perceber isso, de conhecer que era um monstro, um "undead",
e quando julgava percorrer a noite em busca de um corpo para possuir,
estava na verdade em busca de um coração para habitar...


texto: José Elias Nunes: "a casa assombrada"
Imagens: Dracula Castle
0.0 enquanto jovem
nosferatu tango
Emily