20080916

"Sermos personalizados e corajosos, ao mesmo tempo que somos pacientes e solidários"

queremos criar insegurança na equipa do Barcelona e fazer aquilo que fazemos em todos os jogos, sejam no Campeonato ou na Liga dos Campeões: tentar ganhar", observou, antes de explicar se o empate é, ou não, um resultado que interesse aos leões: "Empatar em Barcelona pode sempre ser bom. Mas, antes do encontro, não estamos acostumados a jogar para empatar. Antes, queremos ganhar a todos os adversários e em qualquer campo. Se, durante o encontro, não conseguirmos o principal objectivo, que são os três pontos, podemos tentar assegurar a conquista de um. Mas não vamos jogar aqui para o empate." Consciente do poderio do conjunto orientado por Guardiola, Bento deu a receita para hoje. "Temos de ser fiéis ao estilo que criámos ao longo do tempo. Sermos personalizados e corajosos, ao mesmo tempo que somos pacientes e solidários quando estivermos a defender", revelou, sem abdicar de lutar pelo domínio de, pelo menos, parte da partida: "É muito difícil chegar aqui e dominar durante 90 minutos, mas temos de saber controlar, até porque queremos que o Barcelona também não seja capaz de o fazer.*


O Sporting iniciou mal a participação na fase de grupos da Liga dos Campeões, ao perder esta noite, por 3-1, em Camp Nou, com o Barcelona. Na primeira parte, os leões foram, no mínimo, inofensivos, sendo completamente dominados pelos catalães, apenas tendo acordado na segunda parte. [...] Na segunda parte, os leões apareceram transfigurados, mais agressivos, mais atrevidos, passaram a jogar mais no meio-campo adversário, mas quando se pensava que as coisas se equilibrariam ou, pelo menos, se aproximariam do equilíbrio, o árbitro francês Laurent Duhamel “decidiu” inventar uma grande penalidade por suposta falta de Abel sobre Eto’o, que este acabaria por converter. Ainda assim, o Sporting continuou a acreditar que era possível trazer de Barcelona um resultado positivo, tentou jogar de igual para igual.[...] Nada está perdido para o Sporting, pois provavelmente não contaria com os três pontos que se jogaram em Camp Nou e há ainda muitas partidas a disputar.

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* Paulo Bento.

20080912


Levantar de rastos
Incapaz de enfrentar o dia e o corpo,
o peso do próprio corpo.
E voltar para a cama doente de luz,
até alcançar aquele estado de intoxicação por sono, como ópio, aquele estado em que o corpo deixa de pesar e deixa de doer,
e em que as ideias se tornam mais esbatidas e menos cruéis.
O veio negro, pastoso, que ensopa a cauda e as asas da minha existência há anos, há décadas, continua a brotar, e é cada vez mais denso. A ferida não sara, o ódio e a raiva não esmorecem, a culpa não diminui, pelo contrário.

Quem pressente estas coisas em mim, e pior, quem as vê, assusta-se. Pudera, também eu vivi, e vivo, em susto. Trabalho no meio do mar, vivo por cima de um vulcão adormecido. A falta de vento, ou o rumor surdo da terra ao longe, anunciam-me todas as manhãs catástrofes terríveis, e o crepúsculo de cada tarde embriaga-me de uma gratidão pasmada de condenado.

É que me está a sair da boca o meu avô, e os seus profundos suspiros resignados envoltos num sorriso estranho, que transbordam de uma alma inundada de misteriosa tristeza. É que não me sai da pele e da face a amargura alienada e profundamente melancólica do meu pai, e o ressentimento invencível contra a vida e o mundo. É que não me sai do sangue a violência súbita da minha avó contra os que estão próximos, como se os pudesse destruir e recriar mais perfeitos logo a seguir.
Escondo-os o melhor que posso, escondo-os até conseguir, sobretudo da minha amada.

Mas quem pressente estas coisas em mim, e pior, quem as vê, assusta-se. Pudera, também eu vivi, e vivo, em susto. Trabalho no meio do mar, vivo por cima de um vulcão adormecido. A falta de vento, ou o rumor surdo da terra ao longe, anunciam-me todas as manhãs catástrofes terríveis, e o crepúsculo de cada tarde embriaga-me de uma gratidão pasmada de condenado.

As criaturas profundas do Mar existem, eu vi-as, já me perseguíram. Assustam-me tanto, mas tenho de trabalhar por cima delas, conviver com elas todos os dias.

Amo perdidamente a Terra como ninguém, mas sei que a qualquer dia, a qualquer momento, ela me pode engolir e liquefazer como manteiga, nem por ódio nem por amor, só por ser assim.

E ter de aceitar a cada dia a morte eminente, desde que aprendi a pensar por palavras, destroça-me pois estou apaixonado pela Vida, e a dor do luto por Ela envolve-me todo como uma rede de aranha, todos os dias.

Queria então ser imortal, mas o pensamento ralha-me cada vez mais violentamente que não pode ser, o que me condena a ser uma criança injustamente contrariada no desejo mais importante, na própria possibilidade de existir mais um momento.
Como cada segundo é para mim um grão de areia a cair num relógio de vidro, tento abolir o tempo, o que me suga extrema energia, me vampiriza no pacto diabólico, e me deixa exausto ao fim de algum tempo;

e no final desse tempo Ele vem mais uma vez reclamar a minha alma
e devolver-me o relógio de vidro.
















Quem pressente estas coisas em mim, e pior, quem as vê, assusta-se. Pudera, também eu vivi, e vivo, em susto. Trabalho no meio do mar, vivo por cima de um vulcão adormecido. A falta de vento, ou o rumor surdo da terra ao longe, anunciam-me todas as manhãs catástrofes terríveis, e o crepúsculo de cada tarde embriaga-me de uma gratidão pasmada de condenado.

Se eu pudesse consolar e acalmar esse susto que causo, esse pânico e essa desilusão enojada com o existir que causo, habituar alguém a ele, como eu me habituei, deixaria de estar só. Ajudar alguém a resistir a ele, como eu resisto. Partilhar com alguém a embriaguez causada pela gratidão pasmada por mais um crepúsculo.

E a cada vez que consigo que alguém volte, se volte a aproximar depois da fuga e da auto-expulsão, fico menos só. Mas a inocência perdeu-se; e com a inocência perdida perde-se o presente, e fica-se eternamente condenado ao passado e ao futuro.
Se houvesse alguém que conseguísse pensar e sentir estas coisas e manter alguma inocência, e eu a encontrasse, eu deixaria de estar só.

E talvez então parasse de me sair da boca a misteriosa e resignada tristeza, e me parasse de sair dos poros da pele a amargura alienada e melancólica e o ressentimento invencível e o meu sangue se purificasse da violência súbita contra os que estão próximos.

E talvez então eu parasse de querer comer almas de pessoas, e parasse de querer ser devorado por elas para me salvar.
Tentei, e depois recusei, o álcool e as drogas como remédio e desculpa. As minha drogas químicas são o sono e o sexo.
Os meus licores são o odor dos poros da pele e o som das palavras e do silêncio dos outros.

Aprendi a derrocada dos sonhos e o humor dos pesadelos quando se cumprem. Substituí pesadelos a dormir por delírios acordado, e substituí os sonhos acordado pela intoxicação do sono profundo.

A fome levou-me de novo aos rebanhos; a esperança de ser devorado levou-me para o meio dos lobos.

Foi isto que sonhei durante a noite, e acordei de rastos, incapaz de suportar o peso da manhã, o peso do meu próprio corpo. E voltei para a cama doente de luz,
até alcançar aquele estado de intoxicação por sono, como ópio, aquele estado em que o corpo deixa de pesar e deixa de doer,
e em que as ideias de tornam mais esbatidas e menos cruéis. *



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* i
n "Diário de bordo da perdição". José Elias Nunes

20080909

This is our life.





Guilt was giving way
to pain. And pain seemed to bring them closer. My father had humbled dramatically. And what had always been a sort of curt arrogance, the kind of man who actually thought he could cancel Christmas, had given way to the vulnerability...


Instincts that seem to sense the threat of a loss so huge and irreparable that the mind balks at taking its measure - I begin to wonder if I do understand what Chris is saying any longer. ...in the forced reflection that comes with loss, indeed everything Chris is saying, has to be said. And I trust for him that everything he is doing has to be done. This is our life.*




*http://www.moviescriptplace.com/main/movie/907

20080906

life from the midst of nothingness



Our bodies are given life from the midst of nothingness.

Existing where there is nothing is the meaning of the phrase, "form is emptiness."

That all things are provided for by nothingness is the meaning of the phrase, "Emptiness is form."

One should not think that these are two separate things.

























a tua ausência dá-me forma. Somos o negativo um do outro















20080904

As bagas azuis



Não sei ao certo e no total a resposta para a pergunta "a quem é que isto interessa", e não sei ao certo e no total a quem é me dirijo, mas esta noite finalmente me enfiei numa sala de cinema suficientemente ampla, para ver o tal My Blueberry Nights. O Outono chegou, uma certa àrvore no Largo das Necessidades anunciou-o molhada e vermelha mesmo na noite sem lua.

Cada imagem é uma obra de arte, para ser soprada tal como uma mandala de areia e dar lugar à mandala seguinte, onde são colocados os diálogos banalmente soprados como o vento leste sopra um rebento de bambú, pelas mais banais estrelas de hollywood colocados como figuras vivas de semi-deuses, são imensos os tons de vermelho em grão,
tal qual a àrvore junto ao palácio.

Ele, sentindo-se perdido ficava no mesmo sítio para que o pudessem encontrar, para que aquelas com quem se havia e haveria de desencontrar o voltassem a encontrar. Ela fugiu pelas planícies continentais para poder voltar a si; não lhe disse a ele onde estava, por onde andava, ia-lhe escrevendo postais . Wong Kar-Wai tem uma devoção erótica que se revela um respeito espiritual por aquelas mulheres. O que ele consegue fazer da Rachel Weisz... A américa do sexo e da violência transforma-se por um passe de magia na américa da liberdade e da ternura. A arma nas nas mãos do polícia alcoólico é um instrumento de ternura excessiva. a não perder num écran gigante. Se eu pudesse escolher, Wong Kar criaria de novo o mundo.




Elizabeth: How do you say goodbye to someone you can't imagine living without? I didn't say goodbye. [pause]. I didn't say anything. I just walked away.





Jeremy: From my observations, sometimes it's better off not knowing, and other times there's no reason to be found.
Elizabeth: Everything has
a reason.

20080825

a isto eu xamo Férias [2.0]

...mal constatou a própria sensação, tendo o cuidado de não constatar demais e deixar de perceber. O desfeito alarido chegava-lhe como se de muito longe lhe soprassem perto do ouvido: foi esta obscura noção de distância que ele teve, e parou farejando. Embaraçadamente entregue ao recurso de si mesmo, parecia usar o próprio desamparo como bússola. Experimentou calcular se estaria perto ou infinitamente longe...

Provavelmente aquela coisa para a qual, incerto, o homem caminhava era apenas criada pela sua ânsia...

...o homem não tinha nenhum plano formado e, como arma, parecia ter apenas o facto de estar vivo. Na tarde mais tranquila, ele agora caíra numa clarividência vazia e humildemente intensa que o deixava corpo a corpo com o pulso mais íntimo do desconhecido. A sua vontade continuou a avançar.
Agora, gradativamente mais sistemático, cada vez que o vento principiava a bater-lhe apenas numa das faces ou já na nuca, o homem, paciente como um burro, corrigia a direcção dos passos até sentir a boca de novo batida pela humidade.*

















Mas tens medo, sei que sempre tiveste medo do ritual. Mas quando se foi torturada até se chegar a ser o núcleo, então passa-se demoniacamente a querer servir ao ritual, mesmo que o ritual seja o acto de consumição própria - assim como para se ter o incenso o único meio é o de queimar o incenso.















- Eu sei: nós os dois sempre tivemos medo da minha solenidade e da tua solenidade. Pensávamos que era uma solenidade de forma. E nós sempre disfarçávamos o que sabíamos: que viver é sempre questão de vida ou de morte, daí a solenidade. Sabíamos também, embora sem o dom da graça, que somos a vida que está em nós, e que nós nos servimos.










- Fiz tal esforço para me falar de um inferno que não tem palavras. Agora, como falarei de um amor que não tem senão aquilo que se sente e diante do qual a palavra "amor" é um objecto empoeirado? O inferno pelo qual eu passara - como te dizer? - fora o inferno que vem do amor.













Ah, as pessoas põem a ideia de pecado no sexo. Mas como é inocente e infantil esse pecado. O inferno mesmo vem é o do amor. Amor é a experiência de um perigo de pecado maior - é a experiência da lama e da degradação e da alegria pior. Sexo é o susto de uma criança. Mas como falarei para mim mesma do amor que eu agora sabia?










É quase impossível. É que no neutro do amor está uma alegria contínua, como o barulho das folhas ao vento...o que é Deus estava mais no barulho neutro das folhas ao vento do que na minha antiga prece humana.

A menos que eu pudesse fazer a prece verdadeira, e que aos outros e a mim mesma pareceria a cabala de uma magia negra, um murmúrio neutro.
















- Escuta, não te assustes: lembra-te que eu comi do fruto proibido e no entanto não fui fulminada pela orgia de ser. Então, ouve: isso quer dizer que me salvarei ainda mais do que eu me salvaria se não tivesse comido da vida...ouve, por eu ter mergulhado no abismo é que estou começando a amar o abismo de que sou feita. A identidade pode ser perigosa por causa do intenso prazer que se tornasse apenas prazer. Mas eu agora estou aceitando amar a coisa!
E não é perigoso, juro que não é perigoso.
Pois o estado de graça existe permanentemente: nós estamos sempre salvos. Todo o mundo está em estado de graça. A pessoa só é fulminada pela doçura quando percebe que está em graça, sentir que se está em graça é que é o dom, e poucos se arriscam a conhecer isso em si. Mas não há perigo de perdição, agora eu sei: o estado de graça é inerente.
- Escuta. Eu estava habituada somente a transcender. A esperança para mim era adiamento. Eu nunca havia deixado a minha alma livre, e me havia organizado depressa em pessoa porque é arriscado demais perder-se a forma. Mas vejo agora o que na verdade me acontecia: eu tinha tão pouca fé que havia inventado apenas o futuro, eu acreditava tão pouco no que existe que adiava a actualidade para uma promessa e para um futuro.
Mas descubro que não é necessário sequer ter esperança.
É muito mais grave. Ah, sei que estou de novo mexendo no perigoso e que deveria calar-me para mim mesma [...]


A notícia que estou a receber de mim mesma soa-me cataclísmica, e de novo perto do demoníaco. Mas é só por medo. É medo. Pois prescindir da esperança significa que eu tenho que passar a viver, e não apenas a prometer-me a vida. E este é o maior susto que posso ter [...]

Eu não tinha coragem de deixar de ser uma promessa, e eu me prometia, assim como um adulto que não tem coragem de ver que já é adulto e continua a prometer-se a maturidade.













entregar-me ao que não entendo será pôr-me à beira do nada. Será ir apenas indo, e como uma cega perdida num campo. Essa coisa sobrenatural que é viver. O viver que eu havia domesticado para torná-lo familiar. Essa coisa corajosa que será entregar-me, e que é como dar a mão à mão mal-assombrada do Deus, e entrar por essa coisa sem forma que é um paraíso.































dá-me a tua mão: vou agora contar-te como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia - nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo e aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio. [...]
















A identidade me é proibida eu sei. Mas vou-me arriscar porque confio na minha cobardia futura, e será a minha cobardia essencial que me reorganizará de novo em pessoa. Não só através da minha cobardia. Mas reorganizar-me-ei através do ritual com que já nasci. A identidade me é proibida mas meu amor é tão grande que não resistirei à minha vontade de entrar no tecido misterioso, nesse plasma de onde talvez eu nunca mais possa sair.


















a verdade não faz sentido, a grandeza do mundo que me encolhe. Aquilo que provavelmente pedi e finalmente tive, veio no entanto deixar-me carente como uma criança que anda sozinha pela terra. Tão carente que só o amor de todo o universo por mim poderia consolar-me e cumular-me, só um tal amor que a própria célula-ovo das coisas vibrasse com o que estou chamando de um amor. Daquilo a que na verdade apenas chamo mas sem saber-lhe o nome.



























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fotos: Teresa, e Ana
texto, a leitura de férias: Clarice Lispector: "A Paixão Segundo G.H.", e * "A Maçã no Escuro"

20080819

como cães e gatos
























































Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.


Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso

como se todo o tempo fosse pouco

como se nem sequer houvesse tempo.
[...]


























































































































Como se, de repente, não houvesse mais nada senão
A imperiosa ordem de (se) amarem.
Há em mim uma ternura desmedida pelas palavras.
Não há palavras que descrevam a loucura, o medo, os sentidos.
Não há um nome para a tua ausência.

[...]
















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fotos: 0.0, algures na região do oeste
textos: Joaquim Pessoa

20080812

o coração a bater nos pés



antes de sair de casa li esta passagem que me acompanhou toda a semana:

por vezes tens de dar atenção aos teus pés. Retirar docemente os vestígios de sujidade entre os cinco dedos. Mas a água é um material que não interfere no coração.
[...] tudo o que existe no tempo é sujo. O tempo traz com ele a sujidade. A sujidade existe entre os minutos como existe entre os dedos dos pés. Limpa pois com água perfeita a sujidade entre cada minuto: mas isto não consegues.*

Os pés acabados de lavar levaram-me para diante do coração carregado de tempo, levaram-me às costas como se carrega uma pena, que se torna cada vez mais leve à medida que o tempo se vai lavando com danças entre amigos pé de xumbo, surpreendidos por quanto o coração pode bater em todo o corpo ao mesmo tempo.


O corpo exausto de música e movimento ganha Paz de espírito para distinguir entre liberdade e perdição, entre amor e submissão. Entre o tempo da amizade, o tempo da paixão, e a sujidade que vem com o tempo.



























































O coração é um orgão imoral, sem higiene. É uma víscera que se suja quase tanto como os pés. Mas não se limpa tão facilmente como eles.*




















































* in "A perna esquerda de paris" por Gonçalo M. Tavares