20070513

diário de uma caravela acostada em Lisboa








1) Coordinated Accelerator Research in Europe(Care)


O Pai (63 anos. com aquela voz irritadiça e zangada de filho da mamã, de bebé demasiado mimado e desmamado repentinamente):
eu sinto-me sozinho e já não tenho tempo para esperar, só tenho um amigo, o Júlio, e ando muito sozinho, ela tem de se resolver de uma vez por todas se quer vir de Barcelona para cá. Já estou a ficar farto disto.

O Filho (36 anos, a perceber finalmente como é que o pai constrói um deserto à sua volta "por alguma razão há desertos"): Mas pai, tens que ter um pouco de paciência, ela vai ser operada, não podes estar a pôr mais pressão agora, tens de esperar pois é uma situação muito díficil.

O Pai (com a mesma voz, como se o mundo fosse o culpado de tudo, sem ver a ponta de um corno da sua responsabilidade sobre a sua própria solidão e desespero): mas eu estou muito sozinho, primeiro foram os exames, o tumor não deu maligno, e agora ela anda para a li a adiar, a adiar, já estou farto disto, qualquer dia mando-a passear.

O filho (a perceber que ele escolhe ficar com a mãe que odeia em vez da mulher qye ama, e que está a cavar a sua própria sepultura, que se sente mais seguro com o ódio do que com o amor): a adiar? ela vai ser operada. E se estás sozinho achas que a solução é ficar mais sozinho ainda? Porque é que não lhe dás um apoio nesta altura dificil, vais até Barcelona, ficas lá uns tempos com ela.

O Pai: doente? aquilo é uma operaçãozita simples, faz-se tudo num dia e sai-se do hospital, eu já fiz uma parecida.

O Filho (a perceber que o pai não está a perceber que uma operação ao seio para uma mulher é como uma operação aos testiculos ou ao pénis para um homem, quanto mais uma mulher que está a envelhecer...): sim, mas uma pessoa sente-se sempre frágil com qualquer operação, e precisa de apoio de quem espera que a apoie. Se ela vê que tu te estás a borrifar quando ela está doente e ainda pões pressão irritada, vaio ficar muito desiludida (tom de voz a ficar repreensivo com o pai.

O Pai (menos irritado): ...pois, mas é exactamente para ouvir coisas dessas que agente fala, não é? (com tom zangadito por estar a ser repreendido e a pedir que eu pare com o tom repreensivo), por isso é que eu te estou a desabafar estas coisas contigo...

O Filho: vai mas é passar uns tempos a Barcelona durante a operação dela, depois ela pode vir cá passar uma temporada também. Hum?






2) Noite de Poesia Romântica, Ultra-romântica e Gótica.
E o prémio da melhor declamação de poesia maldita foi para a fala de Lady Macbeth.





Come, you spirits
That tend on mortal thoughts, unsex me here,
And fill me from the crown to the toe top-full
Of direst cruelty! make thick my blood;
Stop up the access and passage to remorse,
That no compunctious visitings of nature
Shake my fell purpose, nor keep peace between
The effect and it! Come to my woman's breasts,
And take my milk for gall, you murdering ministers,
Wherever in your sightless substances
You wait on nature's mischief! Come, thick night,
And pall thee in the dunnest smoke of hell,
That my keen knife see not the wound it makes,
Nor heaven peep through the blanket of the dark,
To cry 'Hold, hold!'




7 comments:

sonho said...

1)

O Pai: Humm, humm. E isso não dará muito trabalho?!
O Filho: Pois é... e já perguntaste ao Júlio se não se quer dedicar ao babysitting? Ficarias com o problema resolvido... sempre terias quem tomasse conta de ti...
O Pai: Excelente ideia, meu filho. Por isso tenho tanto orgulho em ti... Mas, e se o Júlio não quiser? Tenho receio...
O Filho: Então terás que te contentar com as consultas de geriatria... Sabes, agora existem umas pós-graduações interessantes em gerontologia...
O Pai: Ó meu filho... sempre tão preocupao comigo... Mas, e Ela?...
O Filho: Bem, Ela... Ela sempre poderia arranjar um da idade dela que a fizesse sentir Mulher… Afinal, babysitting não é a sua especialidade…


2)

“Your face, my thane, is as a book where men
May read strange matters. To beguile the time,
Look like the time; bear welcome in your eye,
Your hand, your tongue: look like the innocent flower,
But be the serpent under't.”


3)

:)

1.01 said...

1)
Sonho: ela tem a idade dele. Ela gosta dele e ele gosta dela.

Todos envelhecemos com os nossos defeitos, fraquezas, forças e características sexuais.
Anatomy is the destiny (Freud)


Dás-te com a tua família?
Eu não me dei durante muito tempo.

Eu sei a que a ironia não é feita de iron.

1.01 said...

que eu saiba, que ele me tenha dito, ele não tem orgulho em mim.
Nem me interessa o orgulho, interessa-me mais por exemplo que o aroz não tenha gorgulho

:)

sonho said...

Sabes, sem ter consciência disso, comecei muito cedo a preparar a minha saída de casa. Com 15 anos comecei (às escondidas dos meus pais) a dar explicações de tudo e mais alguma coisa aos "putos" do 9º. Acho que nunca chegaram a saber que fui, no secundário, a melhor aluna do meu ano, na minha escola. Os meus pais só souberam que curso eu queria depois de me ter candidatado à faculdade. Andavam tão focalizados nos meus irmãos mais velhos, que só nessa altura escobriram que eu tinha crescido. E, aí, começaram as chatices. Comecei a trabalhar num centro de investigação no 2º ano da faculdade. Antes de acabar o curso, já as "coisas" lá em casa estavam tão complicadas e "basei"... Arrendei um apartamento. A renda era quase tanto quanto o que eu ganhava. Tinha um colchão, esquentador e, pasme-se, um micro-ondas... mas eu adorava. A sorte (?) foi ter morrido (!) um tio de um amigo e... fiquei com a minha alegre casinha cheia de monos, mas eu andava feliz... Foi desde essa altura que a minha casa passou a ser o ponto de encontro da malta, a "tasca" onde se podia petiscar ou tomar qualquer coisa a qualquer hora da noite. Durante uns anos não tive qualquer relação com os meus pais. De vez em quando (1 ou 2 vezes por ano) telefonava à minha mãe, principalmente quando estava no estrangeiro em que tudo me parecia muito relativo. Habituei-me a que a minha família fossem os meus amigos e com isso convenci-me que o que é construido é mais forte do que é inato... Nenhuma as partes soube quais as alegrias, as tristezas, as derrotas ou as conquistas da outra parte. Mas, algures no tempo, houve um qualquer click e aprendemos todos a amar, aceitar e respeitar uns e outros e, hoje, a minha família é para mim um marco de estabilidade emocional e uma referência afectiva. Confesso que ainda hoje às vezes "deapareço" e outras vezes há ali uma qualquer falha de referência do passado. Mas há concerteza uma relação forte, construida a pulso e (agora) eterna. É agora fácil estar depois de ter estado ausente tanto tempo e de ter conquistado uma espécie de estatuto de D. Sebastião...
:)

a.a5 said...

o que práqui vai...

a maradice é mais que muita...

o papá já tem idade para crescer... sim, sim, eu sei que há putos de todas as idades ... e se não cresceram até agora...

"um coração que não tem no seu interior espaço" para perceber certas coisas, "tem, seguramente, uma estranha forma de amar e de ser amigo"...

pois, pois, é dar-lhes com a serpente, com a "mãe" de todas as víboras... "para os meus amigos, tudo... para os outros apenas o rigor da lei..."

parabéns 0.01! por duas razões:
1) porque o teu espaço é de uma maradice deslumbrante
2) porque captaste a atenção da sonho, o que não é fácil (digo eu que sei!...). Ou melhor, é do mais atento que conheço, mas, também, é menina para não ter tempo para nada. Só "perde tempo" com o que lhe dá gozo. E não queiras saber o gozo que dá (a mim) vê-la sair do registo da seriedade...

boa!

1.01 said...

sonho, já vou ler o teu comentário quando sair do trabalho, obrigado pela partilha.

a.a5
as pessoas são como são, e nós também. O cuidado não tem idade.
beijo

ps: ainda bem que achas marado, porque o que eu abomino é a normopatia, a doença mais grave da civilização.

1.01 said...

Sonho...a tua história tem algo de parecida com a minha,

mas foste mais forte e menos comodista do que eu.

admiro-te, pois "sobreviver" no meio de muitos irmãos não é fácil.

obrigado pela sinceridade.
o meu pai de facto é uma criança grande, muito díficil, sofreu muito e fez-me sofrer tanto ou mais.

Mas aogra é tempo de sarar as feridas, e crescermos todos.

nunca é tarde para crescer, espero eu.

beijo, depois conto mais.
*