20070416

Finisterrae

O Caminho a Finisterra é realizado pelos peregrinos que desejam conhecer o mar e ver o “Fim do Mundo”, ou o “Fim da Terra”, ou também como é chamada “A Costa da Morte”.
A região esta situada nos confins do velho continente em um dos pontos extremos da Europa, é considerado como uma terra mágica, cheia de lendas e tradições

W. J. de Oliveira Almeida






Colchester, 7-04-07.


O Jonatan está a jogar poker na internet. Eu sei porque ouço aquele barulho metálico plástico das fichas, embora ele não precise de fichas para jogar na net, é o seu fetiche calmante.

A tentar ganhar mais um torneio e ter dinheiro para mais um mês, ou para ir passar férias com a Anastasia, ou para lhe oferecer uma prenda que a prenda mais um mês, para sempre; finalmente um torneio de 10.000 dolares…? Vamos esperar, vai durar toda a noite.

Um jogador de poker que estuda filosofia continental nas horas vagas ou um filósofo a doutorar-se em Heiddegger e Deleuze e que joga poker para fazer dinheiro extra?

(Será que esta vila está envolta numa maldição qualquer, como diz o Joni, e nas bordas da maldição brotam estes fenómenos que envolvem certos homens marginais numa teia de equívocos ao rubro e desânimo gélido, e um desespero surdo que vai comendo o tempo. Uma espécie de estação espacial S.Leminiana onde somos apanhados pelos nossos fantasmas, pela parte “undead” da nossa alma, num fim do mundo a 60 minutos de Londres. E ficamos a jogar xadrez com a morte até que algo terrível nos acorda do Inverno Nórdico onde estavamos enregelados mas quentes; tal como uma vítima de uma avalanche, sem perceber que ao adormecer num calor estranho estavamos de facto…).


A Anastasia acabou de partir para Atenas, deixei-a na estação. Vai voltar daqui a 10 dias. Ontem ouvi-os a gritar de manhã, quando estava a acordar e ainda na cama. Gritos da discussão deles, no dia tantos vou-me embora de vez, mais uma discussão de casal, que me fez recordar súbita e dolorosamente no corpo todo algo que eu pensava estar enterrado para sempre sob uma laje inamovível.

Sentir de novo a força implacável das mulheres desassossegadas a chicotear, a ferir, a cortar o ar com as palavras, o vento das palavras de uma violência abandónica tal, a bater no peito e nas frontes como uma música tecno em plena ressaca, e a rebentar cá dentro como cápsulas de susto, a espalhar-se pelas artérias e a inquinar o coração.
E a força bruta deseseperada dos homens encurralados, “trapped by tenderness”, encurralados entre o sonho e o pesadelo, na voz dele e nas suas ofensas, como um maço a bater numa parede e a demolir, a abrir mais brechas no afecto mútuo.


Eu pensei “eu conheço isto” não há qualquer hipótese, é o fim, eu sei, eu conheço as vibrações da fractura, estão empregnadas nos meus ossos como os circulos das

àrvores, posso medir a minha idade pelas cicatrizes concêntricas das roturas nas fundações.

Por mais que eles depois desejem que assim não seja, por medo de crescer e enfrentar as perguntas de que fogem e que a vida insiste em lhes fazer, medo do mar, é o fim, a chegada a Finisterra;

a fractura não permite andar sem coxear nunca mais.
Viveram juntos, tiveram tempo, conheceram-se na intimidade como ninguém, conhecem o cheiro misturado nos lençóis como se fosse um só; they’ve had their chance and blew it. It just wasn’t meant to be.

Não quero viver isto outra vez, nunca mais.
E assustado levantei-me, como se eles fossem os meus pais, assustado e agoniado de raiva como se eu estivesse fora do corpo a ouvir-me a mim mesmo, incapaz de parar as palavras violentas de sair da minha boca como se vomitasse cascos de cavalos a cada chicotada emocional dela. Como se eu ainda sentisse a estranheza tipo membro fantasma que senti no dedo anelar quando finalmente resolvi tirar a aliança.


E aí eu disse você tem medo, e ela me disse quem tem medo é você

Falamos do que não devia nunca ser dito por ninguém,

Ela me disse eu não se-ee-ee-ei mais o que eu sinto por você

Vamos dar um tempo, um dia agente se vê—e—e-e, e eu dizia ainda é cedo, cedo, cedo, cedo, cedo, e eu dizia ainda é cedooodooo-oodooo-oo




Pûs música alto e preparei o meu pequeno almoço, cantando baixinho e construindo um escudo. Não vale a pena entrar em pânico sobre leite derramado, quando é dos outros.

Estive em todos os lados possíveis do triângulo:

filho dos pais, filho do pai, filho da mãe, filho abandonante, filho abandonado,

namorado, namorado ciumento, namorado traidor, namorado traído, namorado abandonante, namorado abandonado, marido, marido ciumento, marido traidor, marido traído, marido abandonante, marido abandonado, amante, amante abandonado, amado.

.

Já estive dentro do círculo do inferno: Desejei a morte a mim próprio e a outros, pensei que ia morrer, pensei que ia matar, senti a ira e a morte como a única redenção, justiça ou ternura possível, pensei que ia enlouquecer, senti que tinha chegado a Hora. Sobrevivi sempre, cada vez mais forte e cada vez mais em paz com a minha fraqueza, e com a força e a fraqueza dos outros.

“God knows how I adore life”, the heart knows how I’m able to adore what’s adorable still, ever more, the gods know how I adore, still, even more.

Já nada do que é desumano e sobre-humano me é estranho. I shall fear no evil. Not even my own evil.

Já chega de peregrinação, cheguei a Finisterra, dobrei o cabo. Fazer-me ao mar e “Voltar a casa”, “back” “home”, vai ser a grande aventura. O coração que bate no meio das pedras, joia de luz que sempre lá esteve.


“So tired of life, you don’t have to worry about me, I’d do it again”.

É triste ter de dar tantas cabeçadas para aprender. Mas é inevitavel quando se nasce com cornos. E se recusa a que nos cortem a(s) ponta(s).





who is wise enough to do better than fate?


Quantus tremor est futurus, quando judex est venturus, cuncta stricte discussurus!

Faciamque in eis ultiones magnas arguens in furore et scient quia ego Dominus cum dedero vindictam meam super eos.




Voltei para o meu trabalho.

Estou a ler fontes primárias para o projecto do livro com o Bob.

“All my sins remembered. Another part of a Life”: as memórias e as cartas dele para a família depois de se desmobilizar do exército no fim da primeira Guerra e antes dos primeiros artigos no final dos anos 40; os trinta anos obscuros do ponto de vista documental e que

“tell the reader so much – not about us, his wife and children, but about him, the husband and father. We are proud to have been his family and the recipients of his love”.

E dou por mim a sentir uma volta pesada, estável na minha mente, como um Galeão afundado a pousar finalmente no leito do oceano.

Os últimos dois posts dão-me a impressão de que estaria a entrar outra vez naquele estado, devagar, insidiosamente. Lembro-me das palavras amargas dela…










Undated, Great Cornard, April 2007


As I keep reading Lestat, I start crying in page 175

Her lips were cold. My lips were cold. But the blood was hot and it flowed between us.
"good night my darling one", I said. My dark angel Gabrielle". She sank back into stillness as I let her go. I closed the stone over her.

I start crying more deeply and painfully when I remember all the nights I cried myself to sleep in excruciating pain in the last months, alone in this same bed, after the kids were asleep, When these lost children were finally innocent and in peace, during the night, an interval in their shattered life and their painful destiny. and the alarms were settled, and the colleague was in the other room. Salted tears again fill my eyes now, not only with the present suffering and longing for you my lover, but mostly by remembering my winter ordeal, the ordeal that I had finally started to forget in the past few days. […] And I make a promise to myself

of never forgetting these horrid lonely winter months, so that I never again lose from sight the precious value you have for me, and the infernal pains of not having you, your voice, your whispers, by my side every night.
How many times did I sung “I wish I could take the pain for you….”
Be careful with what you wish, it may become true. And when it does, well, just get ready to

“keep your eyes on the road and your hands upon the wheel,

the future’s uncertain and the end is always near:

Let it roll baby roll…”










Textos e citações:

Versão 0.01 portugûes

The the “the twilight hour”

Legião Urbana “ainda é cedo?”

Beth Gibbons “Mysteries”; “Tom the Model”

Autor desconhecido “Thunder Perfect Mind”

, versão 0.01 inglês

Depeche mode “precious”

The Doors “Road house blues”

Anne Rice “Lestat”

Requiem “Dies Irae”.

Ezequeil, 17:25









7 comments:

Maria Ostra said...

Pode-se é sempre limar as arestas (dos cornos) :P

Maria Ostra said...

Epá, uma Ostra vê-se grega para comentar no teu blogue!
Percebe-se mal o sitio dos comentários...

Maria Ostra said...

E ainda acrescento, (no lugar certo, que era aqui),
Love Kills...

Pronto, é tudo! :P

NARNIA said...

Zerinhos lindo:))

Tanto para ler... para reflectir.

Beijinho no sapo

1.01 said...

Maria Ostra :)
As pontas vão se limando com as marradas. Sim, vão-se limando.

É tão interessante encontrar alguém com cornos tão duros como nós...E ao mesmo tempo tão derretido como nós.

Love kills? Wrong.
Hate, arrogance, indiference, fear, they kill

Not love.

Is life without love really life?
*

1.01 said...

Narnia: tanto...Ando um bocado irrequieto bloguisticamente falando. Reflexo do meu desassossego espiritual e mental.

Chuac

Maria Ostra said...

Desgastam-se, não é?
Sim, concordo. Que era da vida sem amor? Uma chachada pegada!...
;)